O Adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler

O Adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler e sua força singular

Por Leonardo Bittencourt, 28, de novembro de 2022

Antes de se tornar uma das "sete maravilhas do mundo sinfônico", a Quinta sinfonia de Mahler experimentou uma estreia de fracasso que perdurou alguns anos. Apenas o Adagietto, orquestrado para cordas e harpa, desde o início, recebeu expressivo prestígio do público. Compondo a terceira parte de uma obra com cinco movimentos, o Adagietto possui aproximadamente 10 (dez) minutos de duração formulada pelo brilho especial da tonalidade de Fá maior.

A sinfonia como num todo possui um tamanho composicional complexo e de grandiosidade instrumental, melódica, harmônico e interpretativa inesgotável. Estruturada em cinco movimentos, o caminho das tonalidades de cada um sugere uma sensação geral do aspecto da tonalidade menor que estimulará envolvimento emocional de grandeza esplendorosa." Assim, na Marcha Fúnebre em dó sustenido menor, um Scherzo, na tonalidade de Ré maior, e o Adagietto, em Fá maior, sucedido por um Scherzo, o Rondo – Finale, na mesma tonalidade reforça uma dinâmica de cores originárias, percebidos aqui pela atmosfera introspectiva que se pode extrair da batalha contra morte e o brilho radiante do triunfo.

Com prestigiada carreira de regente não é de se surpreender a busca complexa de Mahler frente a uma interpretação que valoriza o extremo das tensões sonoro-musicais também percebida por orientações escritas depreendidas das anotações que ele fazia nas partituras.

A Quinta sinfonia e o ciclo Kidentotenlieder com textos do poeta Rückert emergiram de uma fase de vida ainda mais complicada para Mahler do que toda aquela conturbação que lhe era comum. Na época de sua composição, em 1901-1902, graves problemas de saúde lhe acometeram., exatamente no auge de intensas atividades profissionais.

Quando comparamos o conjunto do material referencial da obra temos uma linguagem mahleriana enfatizando a condução orquestral instrumental pelo potente e sonoro colorido dos trompetes. Entretanto, o Adagietto se estabelece pelo fio condutor que tece uma sensação celestial dado em função dos arpejos da harpa. Nesse instante o andamento, submetido a diversas transformações melódicas e harmônicas, revisita, talvez, o movimento de águas tranquilas que estimularam Mahler a escrever este movimento. Aqui uma contínua pulsação é sentida pela estruturação das harmonias que buscam demonstrar tensões e relaxamentos de maneira bem previsível e de inebriamento ponderado. Ao transitar de um discurso musical para o outro, Mahler ressalta o prolongamento de uma única nota bordada pelo efeito dedilhando da harpa que se destaca pelo inevitável pinçar de notas. A ornamentação reformula a sonoridade para invocar a tranquilidade e calmaria em seus intérpretes e ouvintes. Sobre isso, vale ressaltar que a casa de verão de Mahler, com vista para o lago Wörthersee, na Áustria, inspirou a fantástica criação da Quinta Sinfonia (1901-1902). Em tamanha sutileza, não se sabe se a harpa está acrescendo às cordas da orquestra, ou se a orquestra se acrescenta ao som da harpa. De fato, a sonoridade proveniente exclusivamente de cordas que em sua diversidade de produção de sons, seja pelo modo friccionado ou dedilhado, acaba construindo um ambiente de amor inefável. Não só por isso, mas também pelo desenho de um discurso melódica em involucras harmonias estabelecidas nos pilares de Sol bemol, Mi maior, Ré maior para efetivar o aconchego na tonalidade principal- Fá Maior

Do trabalho do compositor sobre as dinâmicas podemos abstrair um fluxo peculiar do movimento das águas que se represam para formar um lago. Ora constantes, ora bem contratantes e de condução orgânica e natural, as intensidades do Adagietto consolidam o seu caráter por articulações e agógicas orientandas também por expressões, como: “seelenvoll” (cheio de alma), “mit innigster Empfindung”(com o sentimento mais sincero). Em cada expressão, uma sutileza musical interpretativa e, também, uma externalidade do íntimo de Mahler. Talvez aqui está a justificativa desse movimento ganhar força singular em relação a toda obra sendo, até mesmo pelo próprio compositor, apresentando separadamente por inúmeras vezes.